sexta-feira, 20 de março de 2009

As incertezas da lealdade

A responsabilidade do homem público em questões éticas e de lealdade é colocada para a sociedade de forma muito sutil, na certeza de se tratar de uma via de mão dupla; se o princípio que norteia um lado é o mesmo que norteia o outro. A história mostra que, muitas vezes, é o tempo que faz a justiça necessária às pessoas que promovem as ações em um determinado instante. Até Cristóvão Colombo, o navegador genovês que descobriu a América, mesmo gozando da confiança da rainha Isabel, teve seu mérito solapado por Américo Vespúcio, que era protegido por outros privilégios e poderes políticos da época. Foi o tempo, neste caso, a fazer justiça ao descobridor, ainda que este mesmo tempo revelasse que Colombo não foi movido apenas pelo seu ideal, mas que também tinha interesses econômicos em sua pesquisa. A diferença é exatamente esta: ao que realiza fica uma satisfação interna, enquanto ao que se move pelos
louros, a satisfação é efêmera. Acredito que tanto Cristóvão Colombo quanto Américo Vespúcio entenderam isto. Também esta diferença é sutil. O ser humano, especialista que é em viver de aparências, pode mesmo passar uma vida inteira sem refletir sobre o significado da própria existência.

Não é raro ver o ser humano se apegando a valores frágeis, duvidosos, que provocam uma compreensão equivocada do que é ser leal. As situações do cotidiano, sempre muito sutis, envolvem valores conflitantes, quando, na realidade, a lealdade deveria ser antes de tudo um compromisso consigo mesmo, já que necessariamente deve passar pelo crivo interno e cada indivíduo tem seu próprio código de valor. É este conceito que certamente tem orientado muitos homens públicos e justificado suas atitudes. Se o critério da lealdade é de foro íntimo, o compromisso social deveria ser de natureza coletiva. Esses vínculos implícitos precisam ser analisados à luz de um estado de necessidade – o de melhorar e crescer como ser humano.

Em um outro artigo que escrevi sobre a lealdade, abordei o fato de que há uma linha tênue ao se tentar entender a lealdade e os vínculos. Não se é obrigado a aceitar os vínculos, mas, ao aceitá-los, há um compromisso em ser leal. Ainda que esta reflexão seja muito sutil, percebe-se que há também implícita a escolha. O ser humano continua sendo o senhor do seu destino quando se compromete com suas escolhas e procura ser consciente daquilo que faz. O
comprometimento não vai interferir na liberdade e qualquer que seja o resultado, o homem não se sentirá como uma folha seca que vai aonde o vento leva. Do homem público espera-se que consiga se equilibrar entre duas colunas: a lealdade e a ética, sendo justo e perfeito entre elas.

Neste mundo em transformação, quando a internet torna o mundo uma aldeia global, escolas filosóficas, instituições políticas e religiosas precisam entender que não existe uma realidade dissociada do ser humano. O avanço dos meios de comunicação traz embutido o recado de que se qualquer pessoa pode ter acesso à informação, as mudanças não podem ser detidas e, portanto, a lealdade precisa ser conquistada, precisa convencer. As escolas de mistério, as que dominam
pelo medo, pela ignorância, pelo segredo, terão, com certeza, de se readaptarem a um mundo formado por pessoas que pensam e procuram conhecimento e pela gama enorme de diversidade que elas representam.

Há uma clara dificuldade para o ser humano no sentido de ter a lealdade vinculada à devoção, à fidelidade cega e irracional. Ser leal significa também a coragem de se libertar dos conflitos internos, fazendo uma oposição consciente, transparente e genuína, sempre apoiada por princípios éticos, sem a necessidade de constante concordância.

A questão é que a deslealdade dói mais que ingratidão ao trazer embutido outros pecados humanos além do próprio egoísmo, é sinônimo de mentira, de traição, de desrespeito, de inveja, de uma alma pequena, incapaz de enxergar a vida pelas lentes de aumento do tempo.

Kleber Adorno

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